Dia Internacional da Não Violência contra Mulheres é celebrado em todo o mundo no dia 25 de novembro. A data foi instituída em 1999, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, como uma homenagem às irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas”. Em 1960, as irmãs foram brutalmente assassinadas pelo ditador Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana. As mortes repercutiram, causando grande comoção no país.

Dessa forma, uma vez no ano, a data é enaltecida para que a sociedade reflita e debata sobre a situação das mulheres na sociedade atual, que, embora tenham vivido muitos avanços, ainda sentem na pele o histórico violento e repressivo contra elas.

Estatísticas

  • No Brasil, 43% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 35%, a agressão é semanal (Centro de Atendimento à Mulher);
  • Em média, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada em nosso país. (Fórum Brasileiro de Segurança Pública);
  • Mais de 100 milhões de meninas poderão ser vítimas de casamentos forçados durante a próxima década, no mundo (UNICEF);
  • Mutilação genital é realizada em cerca de 3 milhões de meninas e mulheres por ano (Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF);
  • O Brasil ficou na posição 124 (Fórum Econômico Mundial) no ranking mundial que analisou desigualdade salarial em 142 países;
  • 76 mulheres foram assassinadas em 2017, na Paraíba (Secretaria da Segurança e da Defesa Social);
  • 376 mulheres foram vítimas de estupro no estado (Anuário Brasileiro de Segurança Pública);
  • Entre janeiro e junho deste ano, foram registradas 965 denúncias baseadas na Lei Maria da Penha, na Paraíba (Sistema de Administração da Corregedoria-Geral do MPPB).

Violência contra a mulher negra

O conjunto CFESS-CRESS aprovou, no  47º Encontro Nacional, o tema da campanha da Gestão 2017-2020 “Assistentes Sociais contra o Racismo”. No Dia da Consciência Negra, foram levantados dados importantes sobre como as mulheres negras ainda são as maiores vítimas de racismo, violência e desigualdade. O índice de homicídios é maior entre as mulheres negras (5,3) que entre as não negras (3,1) – a diferença é de 71%. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios para cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto que entre as não negras houve queda de 8% (fonte: Atlas da Violência 2018). Este ano, também tivemos o assassinato de Marielle Franco como um marco histórico para as lutas das mulheres negras.

“A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.”IPEA

A psicóloga Hildevânia de Sousa Macêdo, que hoje atua no Centro de Referência da Mulher Ednalva Bezerra, afirma que a violência contra as mulheres não pode ser vista como homogênea, ainda há especificidades e diferenças de acordo com os contextos em que estão inseridas. Essas especifidades refletem no processo histórico do racismo e pobreza da população negra, portanto “as situações de violência a que elas estão expostas são originárias tanto do patriarcado quanto do racismo e da condição de classe em que vivem. O racismo opera combinado com a exploração capitalista e o patriarcado”, afirma Juciane.

Programa de governo para as mulheres

A eleição do candidato do Partido Social Liberao à presidência repercutiu no mundo inteiro, devido ao caráter autoritário e regressista de seu plano de governo, fortemente voltado à segurança pública e com ideias controversas sobre a implementação de políticas públicas e sociais para as minorias.

O programa de governo do candidato eleito tem 81 páginas e dois tópicos relacionado às mulheres: um é o tratamento odontológico para gestantes com o objetivo de reduzir a quantidade de prematuros; outro, é “combate ao estupro de mulheres e crianças através de mudança ideológica”. Dados do Ministério da Saúde dão conta de que os principais fatores que são riscos para gestantes são o vírus da Zica e a crise econômica. Sobre a segurança das mulheres, não há nenhuma explicação como esse combate ao estupro seria realizado, apesar de enfrentarmos casos severos e números alarmantes sobre o feminicídio no Brasil. O futuro presidente já afirmou que vai vetar propostas que liberem o aborto. Atualmente, a prática é permitida em 3 situações: estupro, quando há risco para a vida da mulher e quando o feto é anencéfalo. A PEC 181/2011 está pronta para votação na Câmara dos Deputados e, caso seja aprovada, o aborto será ilegal para qualquer um dos três casos supracitados.

Com um programa de governo que não pauta as mulheres de forma efetiva e declarações machistas, o candidato eleito é um potencial risco ao avanço dos direitos das mulheres na sociedade brasileira, pelos próximos anos. Segundo a psicóloga Hidelvânia, “esse governo se institui de uma forma fascista, e sempre deixando claro o destino social das mulheres: a subalternidade; o risco de retrocessos nas políticas públicas para as mulheres, está evidente e isso vai exigir muita luta e organização política.”

Violência contra a mulher e Direitos Humanos

Convidamos a psicóloga Juciane de Gregori, mestra em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas, para falar sobre o tema. Juciane também é pesquisadora na área de gênero, sexualidade, relações afetivas, violência e direitos humanos e membra do Fórum de Mulheres em Luta da UFPB.

CRESS/PB: O papel da mulher na sociedade tem evoluído bastante nos campos da educação, emprego etc, mas ainda há muito que se avançar. Como você avalia os avanços ou retrocessos das políticas sociais em prol da mulher atualmente?

Juciane: O papel da mulher na sociedade tem evoluído na medida em que as mulheres se levantaram contra a opressão e tem se organizado para lutar pelos seus direitos, reivindicando melhorias em todas as áreas das suas vidas, seja no que condiz a condição econômica, social, política, física, psicológica, emocional. As mulheres são múltiplas e com demandas que estão marcadas por contextos específicos de classe, raça, etnia, gênero e sexualidade. A forma como as diferentes mulheres estão situadas na sociedade é fator central para compreensão de como elas estão sendo contempladas nas suas necessidades. Então, inicialmente, é preciso considerar que os avanços, embora sejam todos relevantes, nem sempre se traduzem realmente para a totalidade das mulheres nas suas diversidades. No que se refere ao Brasil, pode-se analisar que as mobilizações feministas resultaram na conquista de direitos sociais, levando o país a fazer parte de diferentes acordos e tratados de convenções e organizações internacionalmente articuladas. Além disso, tivemos aprovadas inúmeras políticas públicas e legislações como a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (2015), as quais somaram de modo significativo para progressos na situação das mulheres. A efetivação de todo esse aparato, possibilitou o acesso a mecanismos legais importantes, no entanto, sabemos que só haverá garantias de uma transformação radical diante de novos moldes para ancorar as bases da atual sociedade capitalista, racista e patriarcal. Não somente o cenário econômico, como também o contexto cultural e político estão intercruzados para o alcance de políticas sociais e na atualidade as mulheres estão diante de grandes desafios.

Estamos em um momento que marca não só a estagnação na continuidade desses avanços, como também se direciona para retrocessos e para a retirada de direitos já alcançados.

CRESS/PB: Os dados de violência ainda são alarmantes, apesar do aparato jurídico, com a Lei Maria da Penha. Como você acredita que a sociedade e os governantes podem atuar para combater a violência contra a mulher?

Juciane: A violência que acomete as mulheres, não só a que ocorre no meio doméstico e intrafamiliar, ou seja, aquelas que estão sob o julgamento da Lei Maria da Penha, precisam ser combatidas pela sociedade como um todo. Digo não só a violência doméstica, porque as mulheres sofrem violência em todos os espaços que ocupam na sociedade, seja no âmbito familiar, no trabalho ou mesmo na escola e universidade. O machismo, a misoginia, o sexismo, são formas de relacionar-se que perpassam por todas as esferas. Mas, quando elas são combinadas com o racismo, com a transfobia ou com a lesbofobia, há uma intensificação dos graus de violência, preconceito e discriminação. Portanto, quando analisamos os dados sobre a Lei Maria da Penha é preciso levar em conta todas essas especificidades.

Os dados são alarmantes, mas variam de acordo com diferentes realidades, ou seja, as violações contra as mulheres, sempre recaem de forma mais violenta para as trabalhadoras que residem em áreas periféricas, para as mulheres negras, as mães, as transexuais ou lésbicas.

Assim, para que os governantes e a sociedade como um todo esteja engajada na mudança desse paradigma é preciso considerar essas diferenças, proporcionando um enfrentamento direto não só ao machismo, mas contra as desigualdades de classe, ao antirracismo e a LesBiTransfobia.

CRESS/PB: Como você avalia a situação da mulher paraibana vítima de violência doméstica? As políticas públicas são efetivas no enfrentamento e no atendimento a elas?

Juciane: No estado da Paraíba, comparado à realidade de outros locais, temos avançado em decorrência de termos uma história potente do Movimento de Mulheres e do Movimento de Mulheres Negras que se organiza em diversos espaços, com táticas e estratégias plurais, que refletiram no desenvolvimento de uma Rede Especializada de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência. Isso significa que as mulheres contam com uma estrutura que atrela estado e sociedade civil, contemplando um conjunto de serviços e profissionais, que buscam a proteção das vítimas e a efetivação de políticas de enfrentamento, prevenção e promoção contra a violência. Em contrapartida é de conhecimento os dados crescentes do nosso estado, demostrando o quanto o caminho para as mudanças é longo. É preciso ressaltar, que não é possível fazer uma análise simplista, comparando a realidade do estado da Paraíba com outros estados que não possuem as mesmas dimensões desse território. Estamos num estado cuja capital é a terceira cidade mais antiga do Brasil, portanto não é coerente subestimar o acúmulo dessa história com tantas modificações, fazendo uma correlação superficial de dados quantitativos com outras localidades. A compreensão com relação aos casos de violência contra as mulheres e a atuação da Rede de Enfrentamento a tais situações, está associada a aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais, que não se encerram na dinâmica dos mecanismos institucionais.

CRESS/PB:A eleição ao candidato à presidência apresenta vários desafios e retrocessos nas políticas de assistência. Como você avalia o próximo governo, no auxílio às mulheres?

Juciane: A situação das mulheres brasileiras, com o resultado do pleito para a presidência, representa concretamente alguns dos desafios que teremos adiante. Desde o impedimento questionável do último mandato presidencial, que inclusive carregou consigo marcas profundas de um golpe com misoginia, estamos vivenciando uma ascensão de movimentos de extrema direita, fundamentalistas e conservadores, que tem se embasado em discursos de ódio, levando adiante uma agenda neoliberal com um Estado mínimo, onde as mulheres estão sujeitas a retrocessos e retirada de direitos. Desde a aprovação da PEC dos gastos que restringe o investimento público, com a reforma trabalhista, com as mudanças na terceirização, no sistema de ensino e com a ameaça no campo da previdência, já estávamos em uma trajetória de recessão. Agora, com a vitória de um candidato que grande parte da população não reconhece como legítimo, já que levou uma campanha inteira com denúncias de fraudes e falsas informações disseminadas pelas redes sociais tecnológicas, estamos diante de uma conjuntura de colapso. Além de desestabilizar toda a estrutura basilar da Constituição Federal, o plano de governo do político citado, representa um descalabro para a garantia de direitos das mulheres. Não é somente no nível do discurso que ele segue a lógica machista, racista, xenófoba, LGBTfóbica e excludente de todas as formas. Sua conduta indica um grave desmonte dos avanços que vinham garantindo as políticas em prol das mulheres e de todas as populações que são socialmente desfavorecidas. Isso irá afetar a todas as mulheres, mas não de modo indiscriminado, pois certamente será um período de intensificação na exploração, opressão e repressão que novamente irá recair de modo seletivo sobre as mulheres trabalhadoras, periféricas, negras, indígenas, quilombolas, mães, transexuais, lésbicas e deficientes. Sobre todas aquelas onde a desigualdade é explícita de modo mais agressivo, estarão as maiores dificuldades desse (des)governo que apresenta um projeto de sociedade injusto e que tende a acentuar ainda mais os problemas sociais no Brasil. Para enfrentar esse momento será preciso que as mulheres se mantenham auto organizadas, criando redes solidariedade, se fortalecendo para o enfrentamento. Deve haver entre as mulheres o encontro de um reconhecimento perante suas diferenças, buscando um somatório de forças para combater os dias sombrios que estão pela frente.

É preciso reafirmar que entre as mulheres reside grande força de luta transformadora da sociedade e como já viemos acompanhando ao longo de toda a eleição foram elas que levaram adiante movimentos de contestação que seguirão engajados. Juntamente com outras demandas que visam o combate de todas as formas de violação de direitos humanos que acomete as mulheres, a luta pelo fim da violência deverá seguir como pauta central.

 

Mariana Costa

Assessora de Comunicação

Conselho Regional de Serviço Social 13ª Região – Paraíba