O  Coletivo de Residentes de Saúde Mental de João Pessoa publica nota de repúdio ao CMS/JP pela condução do processo de realização da IV Conferência Municipal de Saúde Mental de João Pessoa/PB. No documento, os/as profissionais destacam que “tais atitudes representaram a reprodução da violência e do silenciamento vivenciados cotidianamente pelas pessoas em sofrimento psíquico“.

 O CRESS/PB tem compromisso ético-político com a classe trabalhadora e com as lutas sociais, e apoia a nota de repúdio deste coletivo. Abaixo, você pode ler a nota na íntegra ou baixe o documento em PDF.

NOTA DE REPÚDIO AO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE JOÃO PESSOA

Por Coletivo de Residentes de Saúde Mental de João Pessoa


O Coletivo de Residentes em Saúde Mental de João Pessoa/PB vem a público externar seu veemente repúdio ao Conselho Municipal de Saúde (CMS), pela condução do processo de realização da IV Conferência Municipal de Saúde Mental de João Pessoa/PB. A etapa Municipal foi marcada por atitudes intransigentes e autoritárias, que não coadunam com os princípios e diretrizes do SUS, os quais visam constituir e estabelecer um ambiente democrático, por meio da construção colaborativa e da efetiva participação popular.


Em 28 de abril de 2022, no segundo dia da realização da Conferência Municipal de Saúde Mental de João Pessoa, as discussões nos grupos de trabalho aconteceram de forma acelerada devido ao atraso do início do evento. Sendo assim, o ideal seria a extensão do tempo para que os grupos pudessem finalizar os seus trabalhos de forma adequada, mas nos deparamos com uma dinâmica desrespeitosa por parte de alguns integrantes do Conselho Municipal de Saúde, que insistiam continuadamente no encerramento das atividades, mesmo sabendo que haviam muitas questões em aberto inviabilizando a conclusão da discussão e encaminhamento das propostas.


Em particular, no “Eixo III – Política Pública de Saúde Mental e os princípios do SUS: universalidade, integralidade e equidade”, a postura adotada por Niedja Rodrigues Siqueira, membra do CMS, deu-se de forma extremamente desrespeitosa ao verbalizar que o grupo ainda não tinha finalizado porque estava “moendo” e não gastaria nem um centavo a mais para a permanência no espaço, o que não é legítimo, pois o mesmo foi cedido gratuitamente, não havendo custos para a Secretaria. Isso denota a tentativa de desmobilizar e atrapalhar os trabalhos dos grupos. Além disso, José Gilliard Abrantes, presidente da Comissão de Relatoria, dirigiu-se grosseiramente aos coordenadores do Eixo III dizendo que não serviam nem para aprovar propostas.

Tais atitudes representaram a reprodução da violência e do silenciamento vivenciados cotidianamente pelas pessoas em sofrimento psíquico. Evidenciaram também a total desvalorização, por parte do CMS, do processo democrático e do controle social, principalmente por seu posicionamento diante do ocorrido, do qual trataremos posteriormente. Após toda essa desmobilização, o grupo decidiu não continuar a discussão, o que repercutiu na necessidade de uma etapa complementar para incluir mais um dia inteiro de trabalho nos eixos e finalizar o processo de elaboração das propostas, conforme decisão aprovada na Plenária Final. Esperançosos de continuar colaborando com a construção de uma Conferência de Saúde Mental democrática, efetiva e isenta dos impasses que atravessaram e comprometeram a conclusão dos trabalhos no dia 28 de abril, comparecemos, enquanto Coletivo de Residentes, à reunião do CMS realizada no dia 10 de maio, na qual seriam deliberadas e definidas as alterações no regimento para a etapa complementar. Fomos surpreendidos com a proposta de cronograma apresentada para a nova etapa da IV Conferência Municipal de Saúde Mental de João Pessoa — que, vale salientar, havia sido atravancada, tal como posto rispidamente pelo próprio Conselho Municipal de Saúde, justamente em decorrência dos atropelos relativos ao tempo. O novo regimento prevê a realização de todas as atividades da Conferência, desde as discussões nos eixos até eleição de delegados para a etapa Estadual, perpassando pela apreciação das propostas na plenária final, em uma única manhã.

A justificativa dada pelo CMS para a diminuição do tempo de realização da Conferência se deu pela impossibilidade de garantir a alimentação para os delegados. Ainda sobre isso, foi dito que as propostas foram construídas nas etapas distritais e na etapa municipal não seria necessário tanto tempo para as discussões. No entanto, contamos, em cada um dos quatro eixos, com 40 propostas que deverão ser debatidas e, se necessário, alteradas, para que sejam elencadas apenas 13 para a etapa estadual — tarefa que demanda, sim, bastante tempo.Somada a todas essas incongruências, o CMS não se encarregou de disponibilizar o transporte para os usuários delegados, os quais, em sua maioria, são vulnerabilizados e não têm condições mínimas de locomoção. Isso revela um completo descaso com a participação da categoria que deveria ser a maior representada.


A participação dos ouvintes, que tanto contribuíram nos trabalhos empreendidos nas etapas anteriores e que foi garantida pelo regimento da Conferência aprovada em plenária, foi vetada neste novo regimento. Os coordenadores dos eixos, que conduziram as discussões com genuíno compromisso com o SUS e com a garantia da participação da comunidade na construção da Política de Saúde Mental, sustentando esta luta, ainda que desrespeitados e confrontados com posicionamentos antidemocráticos e autoritários, foram substituídos por membros do CMS. A equipe de relatoria, a qual passou por um treinamento para realizar essa fundamental atividade para a memória e bom andamento dos trabalhos da Conferência, também foi integralmente substituída, cabendo agora ao próprio CMS, na figura dos coordenadores dos eixos junto à comissão de relatoria, indicar novas pessoas para essa função, cujos nomes não foram divulgados.


Fica explícita, diante dos posicionamentos assumidos pelo CMS nesse turbulento percurso, a tentativa de silenciar trabalhadores, gestores e usuários do município de João Pessoa que lutam pela garantia de seus direitos. Surpreende e entristece que a instância que deveria instigar e garantir a mobilização, articulação e participação popular nas discussões das políticas públicas de saúde, caminhe em outra direção. Nos moldes que têm sido conduzida a realização da IV Conferência Municipal de Saúde Mental, vê-se a tentativa de invalidá-la, não garantindo as condições necessárias desse espaço democrático para a continuidade das discussões e reflexões sobre o futuro da Política de Saúde Mental no município, no Estado e no país.


Também fomos surpreendidos, nesta semana, com a notícia do desligamento do coordenador de Saúde Mental de João Pessoa, Vinícius Suares, em plena semana da Luta Antimanicomial e da etapa complementar da IV Conferência Municipal de Saúde Mental, que tão bem desempenhou suas funções no período de um ano e três meses, dedicado à estratégias de desinstitucionalização no município e firme articulação com a luta antimanicomial, conforme preconiza a Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Tais atitudes do CMS se apresentam como um nítido boicote à construção de uma Política de Saúde Mental, bem como a todo trabalho que vem sendo desenvolvido no último ano. Até o momento não houve a nomeação de outra pessoa para ocupar o cargo, deixando mais uma vez a Saúde Mental secundarizada e silenciada em nosso município. A quem interessa tolher a voz do povo? A quem interessa minar os espaços de mobilização social e afastar desses espaços atores comprometidos com a defesa do SUS, da democracia, da atenção psicossocial e do cuidado em liberdade? Nós, trabalhadoras e trabalhadores da saúde que compomos o Coletivo de Residentes em Saúde Mental de João Pessoa/PB não nos calaremos diante das reiteradas tentativas de intimidação e silenciamento orquestradas pelo CMS, tampouco permitiremos que condutas antidemocráticas e autoritárias cerceiem a IV Conferência de Saúde Mental de João Pessoa.

João Pessoa/PB, 17 de maio de 2022.