O dia 20 de novembro foi escolhido como o Dia da Consciência Negra para homenagear Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares e herói da resistência negra para o fim da escravidão no Brasil. A data também é fruto de uma articulação do Movimento Negro e é uma reflexão sobre a luta e o papel dos negros na construção histórica de nosso país.

“No Brasil, a crise econômica se aprofunda, com aumento do desemprego, queda no setor produtivo, nos serviços e com aumento generalizado da pobreza. Já o sistema financeiro manteve lucros exorbitantes, mediante especulação financeira e aumento constante das taxas de juros. A fatura desta crise recai sobre a classe trabalhadora, que, na sua maioria, é de negros e negras, e atinge muito mais as mulheres negras, sendo marcadas pela dupla discriminação, de raça e gênero”. As informações acima justificam o título do “CFESS Manifesta Dia Nacional da Consciência Negra: é pra ter orgulho, coisa de preta e preto!”.

Os dados de violência contra os negros no país continuam alarmantes. Pobreza, racismo e falta de oportunidades no mercado de trabalho e na educação formal ainda são problemas típicos da população negra brasileira, e que vêm sendo enfrentados por movimentos e lutas sociais, ao longo dos anos.

O Serviço Social trabalha no sentido de defender, garantir e efetivar os direitos dos cidadãos, no combate à desigualdade e injustiças sociais.

Conversamos com Terlúcia Silva – assistente social, mestre em Ciências Jurídicas e ativista do movimento de mulheres negras – sobre o histórico de lutas dos negros no Brasil e na Paraíba. Confira a entrevista na íntegra:

CRESS/PB: O histórico de lutas da população negra no Brasil reflete bastante nas bandeiras de lutas da população negra na atualidade. Como você avalia a situação dos negros no Brasil e na Paraíba hoje?

Terlúcia: Passados mais de 120 anos da abolição oficial da escravidão no Brasil, os resquícios nefastos do colonialismo permanecem. A omissão e não responsabilização do Estado com a população negra são refletidas nos indicadores sociais, que mostram que à população não são oferecidas possibilidades de acesso a políticas públicas, enquanto possibilidade de efetivação dos direitos humanos. De modo geral, o Estado brasileiro tem negligenciado a população negra, não criando possibilidades reais de alteração no curso da vida, definido pelo racismo. 

  • Mulheres negras – Ingressam mais precocemente no mercado de trabalho, são as últimas na escala de renda, as primeiras a serem demitidas e têm maior presença no mercado informal (IPEA);
  • Trabalho doméstico – 92% são mulheres. Mais de 60% são negras;
  • Taxa de Desemprego na população negra é de 28,5%, na população branca é de 9,5% (Pnad Contínua, IBGE, 2017;
  • Renda média real  (Brasil em 2016) :  R$ 2.043,00;
  • O rendimento dos brancos: R$ 2.660,00 (acima da média nacional);
  • Pardos: R$ 1.480,00  |  Pretos: R$ 1.461,00 ( Pnad Contínua, IBGE, 2017);
  • Genocídio da Juventude Negra.

Brasil é líder mundial em assassinatos de Jovens – com maior incidência na população negra, sendo 31,7% (para cada 100 mil negros) e 18,3% (para cada 100 mil brancos).

  • A Cada 23 Minutos Um Jovem Negro É Assassinado no Brasil.
  • Exclusão digital (IPEA)

92% dos domicílios chefiados pessoas negras não possuem microcomputador; 95% não têm acesso à internet e 62% não possui telefone celular. Nos casos dos domicílios chefiados por pessoas brancas esses números caem para 77%, 88% e 44%, respectivamente. Contudo, pode-se dizer que dos anos 2003 a 2015, o Estado implementou algumas políticas significativas para a população negra. Primeiro, há uma mudança na forma de lidar com as questões da população negra, os governos desse período desenvolveram ações de reconhecimento das religiões de matrizes africanas, das comunidades remanescentes de quilombos, por exemplo. O que considero um avanço simbólico. Há também políticas especificas para essa população. No campo da educação tivemos aprovada a Lei 10.639/03 – que obriga o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nos ensinos fundamental e média de escolas públicas e privadas, contudo, em âmbito local, percebemos que a lei não foi incorporada em sua totalidade e encontra dificuldade – devido o racismo institucionalizado – de ser implementada. Tivemos a implementação das Ações Afirmativas, sobretudo, na modalidade de cotas raciais, que tem sido um instrumento fundamental para a inserção de pessoas negras no ensino superior.

Mas no geral, nossa vida negra não atingiu grandes mudanças. Ainda somos a maioria com baixa escolaridade, desempregadas, ocupadas em subempregos, vitimas de diversos tipos de violências, maioria em presídios etc. Tanto o Brasil como a Paraíba precisam dar passos mais significativos para a superação do racismo e inclusão da população negra na dinâmica societária, enquanto cidadãs que pensam, trabalham, consomem e detentores de significativa contribuição para a construção dessa nação.

CRESS/PB: Como representante do movimento de mulheres, você acredita que a mulher negra ainda sofre mais preconceito que a população em geral?

Terlúcia: Prefiro tratar as questões relacionadas as mulheres negras a partir de um perspectiva interseccional, compreendendo estas como pessoas para onde convergem diversas opressões, como de classe, de raça, de gênero etc. Nesse sentido, cumpre afirmar que vivemos em uma sociedade racista, sexista, heteronormativa, que implica em geração de vulnerabilidades diversas para esse segmento. Por exemplo, as mulheres negras, historicamente, tem sido vistas como hiperssexualizadas, com pouca capacidade intelectual, animalizadas, possuidoras de força física e serviçais, etc. Esse imaginário social perpetuado torna as mulheres negras mais vulneráveis a várias violências: são 65,9% das vítimas de violência obstétrica (Cadernos de Saúde Pública/30/2014/FIOCRUZ); somam 68,8% das mulheres mortas por agressão; de cada três Mulheres ENCARCERADAS no Brasil, DUAS são NEGRAS (Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional/MJ); mulheres negras entre 16 e 24 anos, têm 3 vezes mais probabilidade  de serem estupradas do que as brancas (SPM-PR, 2003), 2 vezes mais chances de sofrer homicídio do que as brancas (M. Saúde, 2006 ) e quando são lésbicas, as negras são as maiores vítimas de estupros corretivos  e de violência lesbofóbica.

CRESS/PB: Como você avalia o atual governo e as práticas de defesa da população negra nos últimos tempos? Houve alguma evolução?

Terlúcia: Atualmente, tem sido mais difícil ser negra/o no Brasil. O atual governo-golpista não tem compromisso com a população negra e legitima discursos de igualdade – que está posto na Constituição Federal de 1988, mas que nunca se efetivou. A população negra busca a reparação, a equiparação de direitos, a igualdade de oportunidades. As conquistas, ainda que no plano legal, estão ameaçadas. O s discursos conservadores e de ódio tem se intensificado e percebo uma sociedade mais intolerante, legitimada pelas representações políticas nos legislativos, judiciário e executivo.

CRESS/PB: Qual a importância de se celebrar o Dia da Consciência Negra nos tempos atuais?

Terlúcia: O 20 de Novembro é para nós dia de LUTA! Em maiúsculo mesmo. Desde o sequestro do Continente africano, ainda nos navios negreiros, a população negra tem experiências de resistência. Contra os senhores, organizando-se em quilombos, preservando os cultos e cultura, dando origem no Brasil ao Candomblé e à capoeira, resistindo a diversas violências. Forjando lutadoras e lutadores do povo, como Zumbi e Dandara dos Palmares. Então, o 20 de novembro é dia LUTA. Dia de afirmação dessa história de resistência. É dia de denunciar os descasos do estado com a população negra, dia de gritar a nossa dor e revolta por todo o sangue negro que continua sendo derramado em cada esquina, em cada maca de hospital, em cada camburão de polícia, em cada lar. Dia de celebrar Zumbí – o nosso herói negro. Valeu Zumbi!

Terlúcia Silva – assistente social, mestre em Ciências Jurídicas e ativista do movimento de mulheres negras.

 

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