Fonte: http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/1121
Exílio, tortura, perseguição. Depoimentos fortes e emocionados levam participantes às lágrimas
Mesa que reuniu assistentes sociais que tiveram seus direitos violados durante a Ditadura (fotos: Diogo Adjuto/CFESS)
O Brasil ainda vive uma ditadura, que oprime a população negra, jovem e pobre do país. Essa foi uma das mensagens da mesa Serviço Social, Memórias e Resistências contra a Ditadura, organizada no segundo dia (19/9) do 43º Encontro Nacional CFESS-CRESS.
O debate reuniu cinco assistentes sociais, representando cada região do país, para contarem suas histórias de luta contra o regime militar, de 1964 a 1985. “Não é mais possível ocultar ou negar os crimes promovidos pelo Estado e por agentes que agiram em seu nome, que construíram essa mácula indelével na nossa história. Queremos resgatar a memória e construir a resistência”, afirmou a conselheira do CFESS Daniela Neves, antes dos depoimentos das pessoas que sofreram violência e tiveram seus direitos violados.
Quando Jorge Krug, Vicente Faleiros, Cândida Magalhães, Joaquina Barata e Rosalina Santa Cruz, assistentes sociais que vivenciaram os períodos mais sombrios do país, começaram seus relatos, o auditório foi tomado por um misto de sentimentos: comoção, angústia, dor. Mas as falas serviram, principalmente, para reoxigenar a luta da categoria contra a opressão, a violência e a violação dos direitos humanos.
Jorge Krug, 74 anos, foi presidente do extinto Conselho Federal de Assistentes Sociais. Em seu depoimento, o assistente social representante da região Sul destacou o clima de tensão e o estado de exceção que tomou o país. Ele fez questão de destacar que o serviço social, como profissão, foi capaz de resistir às ameaças do regime militar e, principalmente, se reconceituar.
Jorge Krug
Vicente Faleiros, ex-conselheiro do CRESS-DF, foi integrante da Ação Popular no inicio da década de 1960. Depois do Golpe de 1964, foi preso e interrogado pela polícia. Em 1967, ficou um mês detido num quartel general, em Brasília. Em 1969, teve que fugir do país, para não ser morto. Saiu de uma ditadura para acabar em outra, no Chile. Ficou preso por um longo período nos porões do barco Buque Lebu, de onde presas e presos políticos eram enviados a campos de concentração para serem torturados e assassinados. Com um salvo-conduto da Cruz Vermelha, conseguiu asilo político na Holanda. “Na Ditadura, a violência é estratégia de governança”, alertou.
Vicente Faleiros
Cândida Moreira Magalhães chegou a ser diretora do Sindicato de Assistentes Sociais do Ceará. Na década de 1970, foi acusada de incitar a população contra a Ditadura, quando trabalhava com famílias em comunidades pobres. Quando se mudou para Brasília, para tentar uma nova vida, foi sequestrada. Ficou noventa dias presas. Noventa dias sob todo tipo de tortura: afogamento, pau de arara, choque elétrico. “Todos os dias saía inconsciente das sessões”, contou. Tudo isso porque a polícia a acusava de participar de uma organização que assaltava bancos. “No entusiasmo da luta, nunca nos preparamos para uma situação como essa. Uma situação de desmonte. Passei anos da vida com medo de sair sozinha. Nosso país ainda tem processos de autoritarismo, a ditadura não acabou. A suprema imposição à vida é a luta”.
Cândida Magalhães
Joaquina Barata se formou em Serviço Social em 1963. Hoje, aos 78 anos, ela falou não só do período ditatorial e do sequestro de seu filho, mas também do período anterior ao Golpe, de 1959 a 1963. Segundo ela, existia um cenário de intenso processo cultural não só no Brasil, mas também na América Latina. “A reconceituação do serviço social da Amazônia passou pelo movimento estudantil”, afirmou. Quando seu filho foi preso, depôs à polícia assumindo toda a responsabilidade por ele. Frente a frente com o delegado, ela ainda escutou: “Vocês têm muita sorte. Hoje recebemos um comunicado do governo informando que acabaram as prisões políticas”.
Joaquina Barata
Rosalina Santa Cruz passou por tudo. Nascida em Olinda (PE), veio de uma família de militantes de esquerda. Vivenciou os horrores da repressão. Na sua segunda prisão, os policiais pegaram seu filho de cinco meses e ameaçaram de jogá-lo pela janela. “Meus filhos tiveram sua infância roubada pela Ditadura”. Seu irmão, Fernando Santa Cruz, é desaparecido político. “Ele pode ter sido incinerado”. Na década de 1970, Rosalina entrou na luta armada. Em 1971, foi presa em decorrência do trabalho com camponeses da baixada fluminense. “Até hoje a Comissão da Verdade não conseguiu localizar essas pessoas. Eu sobrevivi”. Rosalina sobreviveu a 52 dias de tortura, com choques no corpo todo, pau de arara. “Isso ainda existe, mas atinge a população jovem e negra. Não esquecemos a ditadura, assassinatos e torturas. Por isso, defendo o fim da polícia militar. A única luta que se perde é aquela se abandona”.
Rosalina Santa Cruz
O auditório foi tomado por aplausos e lágrimas. A vice-presidente do CFESS, Esther Lemos, ressaltou: “essa mesa foi fundamental para darmos voz a alguns dos sujeitos que, numa histórica trajetória de lutas sociais, sofreram tortura e lutaram em defesa da liberdade, da justiça social e a revolução. Resgatar essa história é necessário, não só para que não se percam as conquistas frutos dessas muitas lutas e resistências, mas também para a mudança do presente e do futuro”. Ela ainda fez questão de destacar que este Projeto será ampliado para a América Latina e Caribe, por meio do Comitê Latino-Americano e Caribenho de Associações Profissionais de Serviço Social (Colacats).
Gritos pela desmilitarização da Polícia Militar e pela exigência de que os torturadores sejam punidos foram entoados pelo auditório. Uma coisa ficou explícita: o Brasil vive uma falsa democracia, onde a população jovem negra é a mais atingida pela violência, repressão e pobreza.
Vídeo reúne trechos de depoimentos
Durante a mesa, o CFESS lançou um vídeo com alguns trechos de depoimentos de assistentes sociais que sofreram violação de direitos durante a ditadura.
“É mais uma homenagem do Conjunto a essas pessoas. Outros materiais serão produzidos a partir desse projeto”, afirmou Daniela Neves, do CFESS.
Vídeo – Projeto Serviço social, memórias e resistências contra a ditadura
Participe do projeto
Se você é assistente social, vivenciou o período da Ditadura Militar (1964-1985) e sofreu violações de direitos em decorrência do momento político do país, veja como participar:
Passo 1
Passo 2
Preencha-o respondendo, em até 6 laudas (15 mil caracteres), as seguintes questões:
- Nome completo:
- Universidade em que estudou:
- Que tipo(s) de violência(s) sofreu?
- Como aconteceu? Onde? Quando? (descreva o fato)
- À época, participava de algum movimento ou partido de resistência? Qual?
- Chegou a ser preso(a), exilado(a), demitido(a) ou perseguido(a)?
- Se sim, sob qual alegação?
- Cumpriu pena? Onde?
- Você denunciou os fatos e violações ocorridas? Para quem?
- Buscou a Justiça para ser reparado(a)?
- Recebe alguma reparação do Estado? Espera receber?
- Como as violações rebateram em seu cotidiano profissional?
- Deixe uma mensagem para estudantes de serviço social e assistentes sociais que não vivenciaram o período da Ditadura, abordando a importância de se resgatar a memória da luta contra o Regime Militar.
Passo 3
Salve o arquivo e envie para o e-mail memoriaeresistencia@cfess.org.br
Passo 4
Se tiver interesse, envie também fotos e outros documentos que registrem o momento histórico que vivenciou.
Clique aqui e veja a repercussão na mídia
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
Gestão Tecendo na luta a manhã desejada – 2014/2017
Comissão de Comunicação
Rafael Werkema – JP/MG 11732
Assessoria de Comunicação
comunicacao@cfess.org.br