Um levantamento do Ministério da Saúde e da UnB (Universidade de Brasília), divulgado no início de 2019, mostrou que, a cada dez jovens que se suicidam no Brasil, seis são negros. Os dados foram levantados no período entre 2012 e 2016 e revelou que a taxa de pessoas brancas entre 10 e 29 anos que tirou a própria vida permaneceu a mesma; já entre jovens e adolescentes negros ela subiu, de 4,88 mortes para cada 100 mil, em 2012, para 5,88, quatro anos depois.

Esse alto índice de suicídios da população negra brasileira pode ser explicado pelo sofrimento, opressão e agressões racistas históricas vividas por essas pessoas. Para falar sobre o assunto, convidamos Elisabete Vitorino, assistente social e residente em Saúde Mental pelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFPB. Confira o artigo abaixo “Triste, Louca ou má– Serviço Social e saúde mental da população negra no Brasil”.

 

“Triste, Louca ou má”– Serviço Social e saúde mental da população negra no Brasil

Por Elisabete Vitorino

O presente texto é resultado das análises realizadas sobre os impactos do racismo na saúde mental da população negra no Brasil. De antemão coloco que o objetivo do texto contrapor a perspectiva de lugar de fala, mas expor dados e argumentos que como Assistente Social e pesquisadora na área de saúde mental tenho investigado, principalmente, na articulação do exercício profissional com o projeto ético-político da profissão no combate ao racismo.
Para continuar é preciso que demarcar qual o período histórico em que a formulação conceitual do racismo ocorre, o que permitiu a consolidação do que chamamos de escravismo. A modernidade é o processo civilizatório europeu que deu origem para formulação do conceito de raça, o que imprimiu marcas históricas, políticas e econômicas em todo mundo, principalmente nas Américas e na África.

 

Esses dois continentes foram os alvos do processo de avanço econômico da Europa, a colonização das Américas – território de povos originários – e, da África que é berço das civilizações, como a egípcia, foram assolapadas como esse processo de avanço dos ideários eurocêntricos de civilização.

 

Feito esse preâmbulo quero assinalar que o racismo passou a ser um mecanismo fundamental de poder e que o escravismo é sua representação mais latente e que maneira singular é a base para a constituição da sociedade brasileira, já que os negros africanos escravizados no período da expansão marítima europeia foram trazidos para o Brasil para ser usado como mão de obra.

 

Inicio os argumentos sobre os impactos do racismo na saúde mental da população negra. Considero que a experiência histórica da população negra no Brasil é também a experiência de inúmeros traumas, porque o racismo como elemento estruturante das relações sociais, considero que no Brasil o racismo antencede ao modo de produção capitalista. A função do Racismo na dinâmica da economia brasileira e economia, coloca as pessoas negras no lugar do não ser (LIMA,2017).

 

O não-lugar é antes de tudo, a negação da humanidade de homens e mulheres negros(as). A experiência histórica da negação dos corpos negros é em si um dos fatores de adoecimento físico e mental dessa população. Os indicadores sociais – saúde, renda, educação, moradia, emprego, justiça ou qualquer outro que queiramos, apontam que a população negra é alvo do racismo institucional, quando o próprio Estado brasileiro na formulação de suas políticas não reconhece as especificidades de mais da metade da população.

 

Esses indicadores têm impactos no cotidiano de homens e mulheres negros(as), mas principalmente na vida das mulheres negras. Em 2015, o IPEA disponibilizou dados que apontam que a taxa de desocupação das mulheres negras em chegou a 13,3% se comparada aos dos homens negros. Mesmo que o mesmo estudo apresentasse que o rendimento dessas mulheres foi valorizado em 80%, mesmo assim continuava sendo o mais baixo da história da população brasileira.

 

Quando analisados os dados sobre a violência, as mulheres negras representam 64% das vítimas de assassinatos no Brasil, segundo os dados de 2016 divulgados no Dossiê “A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil – Violência e Violações”, publicado pelo Instituto Mulheres Negras – Geledés e pela Organização de Mulheres Negras – Criolas.

 

Apresento esses dados como base para que possamos refletir como a experiência histórica e os processos de subjetivação da população negra em especial das mulheres negras têm rebatido na saúde mental, visto que às opressões sofridas atravessam as mais diferentes esferas da vida cotidiana.

 

A negação do acesso aos direitos humanos básicos se apresenta como a manifestação das práticas racistas impostas à população negra que é maioria na busca pelos serviços públicos de saúde, educação, habitação, justiça e previdência social – espaços de atuação dos(as) Assistentes Sociais.

 

Destaco que na política de saúde temos desde 2009, a A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN, que prever o atendimento às especificidades da população negra e reconhece que as desigualdades postas historicamente para a população negra é resultado de um racismo silencioso e não declarado – um racismo à brasileira.

 

A atuação dos(as) assistentes sociais na saúde mental da população negra é sem dúvida algo urgente para o debate da profissão, porque conforme o levantamento feito em 2016 e divulgado em 2019 mostra que a cada 10 jovens que suicidam no Brasil 6 são negros. Tem crescido as pesquisas e os estudos sobre os rebatimentos do racismo na saúde mental de homens e mulheres negros(as), mas ainda são poucos os estudos realizados por assistentes sociais.
O que faz efervescer algumas questões sobre a abordagem do racismo no fazer dos(as) assistentes sociais e também na formação. É sabido que a disciplina que aborde a temática étnico-racial é conteúdo obrigatório para os cursos de graduação em Serviço Social no Brasil, mas o número de universidades públicas que implantaram tal disciplina é ínfimo, o que vai de encontro com os princípios ético-políticos da profissão.

 

Sim, é isso mesmo! Não abordar os conteúdos étnico-raciais nas formações de estudantes de Serviço Social, não desenvolver ações que abordem as especificidades da população negra é se contrapor aos princípios do projeto profissional do Serviço Social brasileiro. E com isso estamos contribuindo para o adoecimento mental da maioria da população.

 

Sobre a autora

 

Elisabete Vitorino Vieira é candomblecista, Assistente Social e Mestre em Serviço Social pela UFPB. Atualmente é residente em Saúde Mental pelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFPB. É pesquisadora no Setor de Estudos e Pesquisas em Saúde e Serviço Social (UFPB) e membro da Comissão de Seguridade da CRESS/PB.

Assistentes sociais no combate ao racismo

 

As/os assistentes sociais têm o papel ético-político de combater o racismo em seu cotidiano profissional e, para dar visibilidade a isso, o Conjunto CFESS-CRESS convoca as/os assistentes sociais brasileiros/as a construir a campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, enviando relatos de experiências profissionais que contribuem nessa luta diária de ampliar direitos dos/as usuários/as. Acesse servicosocialcontraracismo.com.br/combate-cotidiano e participe!

 

Confira outras matérias da série

 

“A opressão racista e a subjugação feminina: pensando as mulheres negras no Brasil”, por Kíssia Wendy

“Racismo e exercício profissional de assistentes sociais”, por Josiane Soares e Mauricleia Santos

Mariana Costa – JP/PB 3569

Assessoria de Comunicação

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